Friday, April 16, 2010

Ciranda de Pedra (Lygia Fagundes Telles)

Primeiras linhas:

"Virgínia subiu precipitadamente a escada e trancou-se no quarto.
- Abre, menina - ordenou Luciana do lado de fora. Virgínia encostou-se à parede e pôs-se a roer as unhas, seguindo com o olhar uma formiguinha que subia pelo batente da porta. "Se entrar aí nessa fresta, você morre!" - sussurrou soprando-a para o chão. "Eu te salvo, bobinha, não tenha medo", disse em voz alta. E afastou-a com o indicador. Nesse instante fixou o olhar na unha roída até a carne. Pensou nas unhas de Otávia. E esmagou a formiga."

É a primeira vez que leio Lygia Fagundes Telles e me arrependo de não ter começado antes. Ciranda de Pedra é uma história forte e marcante, audaciosa para a época que foi publicada (1954), com personagens bem desenvolvidos e um enredo que prende a atenção do leitor do início ao fim.

Virgínia é a protagonista e é supreendente ver seu desenvolvimento durante a obra.
Quando Laura abandona Natércio para ficar com Daniel, Virgínia vem com ela, por ser a mais nova das crianças. Bruna e Otávia permanecem com o pai.

Virgínia adora o pai e busca detestar Daniel, mas ao mesmo tempo o admira, há alguma coisa nele que a atrai. Sente compaixão. Mas como ter compaixão se aquele homem separou sua família? Desejava morar com o pai e as irmãs, naquele luxuoso casarão, ser servida e tratada como Bruna e Otávia, mas no fundo - lá no fundo, Virgínia apenas queria ser aceita, ser amada, ter seu espaço na vida e na atenção dos outros.

"- Não podia deixar de acontecer isso, Virgínia. Nossa mãe está pagando um erro terrível, será que você não percebe? Abandonou o marido, e as filhas, abandonou tudo e foi viver com outro homem. Esqueceu-se dos seus deveres, enxovalhou a honra da família, caiu em pecado mortal!" (pag. 37)

Até aí tudo bem, se não fosse pelo fato que Laura desenvolve problemas mentais, entre depressão e alucinações e alguns poucos momentos de sanidade, Virgínia testemunha o declínio da mãe e é enviada para a casa do pai poucos dias antes de sua morte.

É evidente a discrepância no tratamento dado a Virgínia e não leva muito tempo para que ela mesma perceba, o pai a evita, a governanta a ignora, Bruna e Otávia ocupam-se em entreter os amigos e vizinhos, Afonso e sua irmã Letícia, e Conrado. Os cinco sempre juntos, como os anões de pedra do gramado, como que numa ciranda, sempre de mãos dadas. E de todos eles, o único que percebe a existência de Virgínia é Conrado, e é por ele que Virgínia se apaixona... ainda na sua infância. Ai, como ela queria fazer parte daquela ciranda.

"Lentamente Virgínia voltou-se para o gramado. Agora a ciranda de anões [de pedra] mergulhava na escuridão. Ali estavam os cinco de mãos dadas, Conrado, Otávia, Bruna, Afonso e Letícia." (pag. 113)

Virgínia é um personagem fantástico, do momento em que descobre a verdade, todas as decisões que toma demonstra uma força, uma maturidade sem precedentes. A verdade veio quando ela era ainda uma menininha - Piaget e Vygostsky diriam que tamanho trauma afetaria o desenvolvimento dessa criança - mas Virgínia usou todos eles para seu benefício, sofreu calada, em silêncio - mas ela não é perfeita, ninguém é - cai, comete erros, experimenta. Porém, suas dores serviram de alicerce para os valores que criou, para os estudos que buscou, para a mulher inteligente que se transformou.


O final é inesperado, as aventuras de Virgínia devem ter deixado alguns conservadores de boca aberta. Se tiverem a oportunidade, leiam Ciranda de Pedra. A temática causa impacto, Lygia tem um domínio sobre a linguagem impressionante, fora que o perfil psicológico dos personagens é perfeito. Precisa e ao mesmo tempo sutil, de uma coragem absoluta.
"(...) Lançou um olhar para a porta diante da qual - quantas vezes, quantas! - detivera-se ansiosa, à espera de uma palavra, de um gesto. Ah, como era importante para ela o mais ligeiro sinal de interesse. Mas sempre a encontrara fechada. Não seria agora que ele ira lembrar-se de abri-la. E, mesmo que o fizesse, era tarde para entrar." (pag. 119)

4 comments:

Nilton Resende said...

"ciranda de pedra" é uma delícia.
se der, leia "as meninas" e os contos de "antes do baile verde" (pelo menos os contos desse livro). se curtir, sugiro "seminário dos ratos" e "a noite escura e mais eu", também.
ou a antologia "meus contos preferidos", que traz contos de diversos livros.
mas, tratando de romance, "as meninas" é belo demais.

:]

Ju Haghverdian said...

Nossa Nilton, obrigadissima pelas dicas! Vou anotar na listinha e encomendar assim que possivel.
Obrigada pela visita =D

Larissa Fiodorovna said...

Adoro a Lygia. Comecei a gostar dela aos 14 anos, quando li "Venha ver o pôr-do-sol e outros contos", o qual me marcou profundamente. "Ciranda de Pedra" é um livro forte, denso, e sua linguagem é tão viva que me sinto, por vezes, Virgínia.

nilton said...

eu que agradeço pelo blog

=] .